"Não precisamos
duma Igreja sentada e desistente, mas duma Igreja que acolhe o grito da
humanidade e uma Igreja que suja as mãos para servir o Senhor",
Papa
Francisco no final do Sínodo dos Bispos - IHU-Unisinos, 28 Outubro 2024
"Uma Igreja sentada, que quase sem se
aperceber se afasta da vida e se confina a si mesma à margem da realidade, é
uma Igreja que corre o risco de continuar na cegueira e de se acomodar no seu
próprio desconforto. E se permanecemos sentados na nossa cegueira,
continuaremos a não ver as nossas urgências pastorais e os muitos problemas do
mundo em que vivemos", afirma o Papa Francisco na conclusão da Assembleia
Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, na homilia proferida no domingo,
publicada pela Sala de Imprensa da Santa Sé, 27-10-2024.
Segundo ele,
"não uma Igreja sentada, mas uma Igreja em pé. Não uma Igreja muda, mas
uma Igreja que acolhe o grito da humanidade. Não uma Igreja cega, mas uma
Igreja iluminada por Cristo, que leva aos outros a luz do Evangelho. Não uma
Igreja estática, mas uma Igreja missionária, que caminha com o Senhor pelas
estradas do mundo.
Eis a homilia.
O
Evangelho apresenta-nos Bartimeu, um cego que é obrigado a mendigar à beira do
caminho, um rejeitado sem esperança que, no entanto, quando ouve Jesus passar,
começa a gritar-Lhe. Só lhe resta isto: gritar a própria dor e levar a Jesus o
seu desejo de recuperar a vista. E enquanto todos o repreendem por se sentirem
incomodados com a sua voz, Jesus para. Porque Deus escuta sempre o grito dos
pobres e nenhum grito de dor passa despercebido diante d’Ele.
Hoje,
no final da Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, trazendo no coração tanta
gratidão por aquilo que pudemos partilhar, detenhamo-nos no que acontece a este
homem: inicialmente, «estava sentado à beira do caminho» (Mc 10, 46) pedindo
esmola, enquanto que no final, depois de ter sido chamado e de ter recuperado a
vista, «seguiu Jesus pelo caminho» (v. 52).
A
primeira coisa que o Evangelho nos diz sobre Bartimeu é esta: está sentado a mendigar.
A sua postura é típica de uma pessoa fechada na sua própria dor, sentada à
beira do caminho, como se não houvesse mais nada a fazer senão receber alguma
coisa dos muitos peregrinos que, na Páscoa, passavam pela cidade de Jericó.
Mas, como sabemos, para viver verdadeiramente não se pode permanecer sentado:
viver é estar sempre em movimento, meter-se a caminho, sonhar, projetar,
abrir-se ao futuro. Por conseguinte, o cego Bartimeu representa também essa
cegueira interior que nos bloqueia, nos faz permanecer sentados, nos imobiliza
à margem da vida, sem esperança.
E
isso pode levar-nos a refletir não só sobre a nossa vida pessoal, mas também
sobre o nosso ser Igreja do Senhor. Ao longo do caminho, muitas coisas podem
deixar-nos cegos, incapazes de reconhecer a presença do Senhor, impreparados
para enfrentar os desafios da realidade, inaptos por vezes para saber responder
às muitas perguntas que com brados nos dirigem, como Bartimeu faz com Jesus.
Todavia, perante as interrogações dos homens e mulheres de hoje, os desafios do
nosso tempo, as urgências da evangelização e as muitas feridas que afligem a
humanidade, irmãs e irmãos, não podemos ficar sentados. Uma Igreja sentada, que
quase sem se aperceber se afasta da vida e se confina a si mesma à margem da
realidade, é uma Igreja que corre o risco de continuar na cegueira e de se
acomodar no seu próprio desconforto. E se permanecemos sentados na nossa
cegueira, continuaremos a não ver as nossas urgências pastorais e os muitos
problemas do mundo em que vivemos. Por favor, peçamos ao Senhor, que nos dê o
Espírito Santo, para que não permaneçamos sentados na nossa cegueira; cegueira
que pode ser chamada mundanidade, que pode ser chamada comodidade, que pode ser
chamada “coração fechado”. Não permaneçamos sentados nas nossas cegueiras!
Mas,
recordemos isto: o Senhor passa, o Senhor passa todos os dias, o Senhor passa
sempre e detém-se para cuidar da nossa cegueira. E eu? Sinto-O passar? Tenho a
capacidade de sentir os passos do Senhor? Tenho a capacidade de discernir
quando o Senhor passa? E é bonito que o Sínodo nos impulsione a ser Igreja como
Bartimeu: a comunidade dos discípulos que, ouvindo passar o Senhor, sente a
emoção da salvação, deixa-se despertar pela força do Evangelho e começa a
gritar-Lhe. E fá-lo acolhendo o grito de todas as mulheres e de todos os homens
da terra: o grito dos que querem descobrir a alegria do Evangelho e dos que,
pelo contrário, se afastaram; o grito silencioso dos indiferentes; o grito dos
que sofrem, dos pobres e dos marginalizados, das crianças escravizadas pelo
trabalho infantil em tantas partes do mundo; a voz quebrada – ouvir a voz
quebrada! – dos que já nem sequer têm força para gritar a Deus, porque não têm
voz ou porque se resignaram. Não precisamos duma Igreja sentada e desistente,
mas duma Igreja que acolhe o grito do mundo e – quero dizê-lo e talvez alguém
se escandalize – uma Igreja que suja as mãos para servir o Senhor.
E
assim chegamos ao segundo aspecto: se inicialmente Bartimeu estava sentado, no
final, em vez disso, vemos que O segue pelo caminho. É uma expressão típica do
Evangelho e significa: tornou-se seu discípulo, seguiu-O. Com efeito, depois de
Lhe ter gritado, Jesus pára e manda-o chamar. Bartimeu, que estava sentado,
levantou-se de um salto e, logo a seguir, recuperou a vista. Agora, pode ver o
Senhor, pode reconhecer a ação de Deus na própria vida e, finalmente, pode
caminhar atrás d’Ele. Assim também nós, irmãos e irmãs: quando estivermos
sentados e acomodados, quando mesmo como Igreja não encontrarmos a força, a
coragem, a audácia e a ousadia necessárias para nos levantarmos e retomarmos o
caminho, por favor, lembremo-nos sempre de voltar ao Senhor, de voltar ao seu
Evangelho. Retornar ao Senhor e ao Evangelho! Quando Ele passa, devemos
escutar, sempre de novo, o seu chamamento, que nos põe de pé e nos faz sair da
cegueira. E depois segui-Lo novamente, caminhar com Ele pelo caminho.
Gostaria
de repetir: o Evangelho diz de Bartimeu que «seguiu Jesus pelo caminho». Esta é
uma imagem da Igreja sinodal: o Senhor chama-nos, levanta-nos quando estamos
sentados ou caídos, faz-nos recuperar uma nova visão, para que, à luz do
Evangelho, possamos ver as inquietações e os sofrimentos do mundo; e assim,
reerguidos pelo Senhor, experimentamos a alegria de O seguir pelo caminho.
Segue-se o Senhor pelo caminho, não O seguimos fechados nas nossas comodidades,
não O seguimos nos labirintos das nossas ideias: seguimo-Lo pelo caminho. E
lembremo-nos sempre disto: não caminhar por conta própria ou segundo os
critérios do mundo, mas caminhar juntos, pelo caminho, atrás d’Ele e caminhando
com Ele.
Irmãos
e irmãs: não uma Igreja sentada, mas uma Igreja em pé. Não uma Igreja muda, mas
uma Igreja que acolhe o grito da humanidade. Não uma Igreja cega, mas uma
Igreja iluminada por Cristo, que leva aos outros a luz do Evangelho. Não uma
Igreja estática, mas uma Igreja missionária, que caminha com o Senhor pelas
estradas do mundo.
E
hoje, enquanto damos graças ao Senhor pelo caminho percorrido em conjunto,
poderemos ver e venerar a relíquia da antiga Cátedra de São Pedro,
cuidadosamente restaurada. Contemplando-a com a admiração da fé, recordemos que
esta é a Cátedra do amor, é a Cátedra da unidade, é a Cátedra da misericórdia,
segundo o preceito que Jesus deu ao Apóstolo Pedro de não exercer domínio sobre
os outros, mas de os servir na caridade. E admirando o majestoso baldaquino de
Bernini, mais resplandecente do que nunca, redescobrimos que ele enquadra o
verdadeiro ponto focal de toda a Basílica, isto é, a glória do Espírito Santo. Esta
é a Igreja sinodal: uma comunidade cujo primado está no dom do Espírito, que
nos torna irmãos em Cristo e nos eleva até Ele.
Irmãs
e irmãos, sigamos, então, com confiança o nosso caminho em conjunto. Como a
Bartimeu, também hoje, a Palavra de Deus nos repete: «Coragem, levanta-te que
Ele chama-te». Sinto-me chamado? Esta é a pergunta que devemos fazer-nos?
Sinto-me fraco e não consigo levantar-me? Peço ajuda? Por favor, deixemos de
lado o manto da resignação e confiemos ao Senhor a nossa cegueira.
Coloquemo-nos de pé e levemos a alegria do Evangelho; levemo-la pelos caminhos
do mundo.