Amizade nos livros sapienciais
AMIZADE NOS LIVROS SAPIENCIAIS (Parte 7)
Nos livros sapienciais encontramos a maioria das citações
bíblicas sobre a amizade e a identidade do verdadeiro amigo. À diferença dos
livros históricos, nos sapienciais não encontramos a narração de fatos sobre a
experiência da amizade entre sujeitos, mas lindas reflexões com advertências,
critérios, conteúdo e dinamismo da amizade.
Sem a pretensão de sermos exaustivos, queremos apenas
evidenciar algumas características da experiência da amizade presentes em
alguns dos livros sapienciais. No livro do Eclesiástico encontramos a maior
concentração das referidas citações.
Ser amigo das Virtudes
O homem que deseja ser fiel a Deus, conservando suas
Palavras em seu coração e praticando os seus preceitos, é chamado a se fazer
amigo da Sabedoria, dessa forma evitará ser seduzido pelo mal (cf. Pr 7,1-5).
Esse mal pode se apresentar a nós também através de pessoas que espertamente
desejam-se fazer nossos amigos. Mas o homem sábio é cauteloso em suas amizades
(cf. Pv 12,26).
No cântico dos cânticos a bonita amada é também chamada de
amiga (cf. Ct 6,3-4) que se encanta com a formosura estética e moral do seu
amado e seu amigo (cf. Ct 5,16). É muito interessante essa relação íntima entre
a beleza física e aquela moral. Como sempre se diz na filosofia: há uma íntima
relação entre ética e estética. A estética das relações interpessoais é chamada
ter um componente ético, ou seja, a paixão pelo bem. Por isso não é bem-vinda a
relação entre amizade e criminalidade.
A Amizade como sinal de
Sabedoria
Na diversidade das citações sobre a Amizade no livro da
Sabedoria e do Eclesiástico encontramos a relação entre a beleza da amizade e o
sentido da vida. Amizades autênticas contribuem para o enriquecimento das
pessoas; a Amizade é uma relação que potencializa o sentido da vida e a alegria
do viver.
Quem rejeita a experiência da amizade e da justiça, faz
aliança com a morte (cf. Sb 1,16). “A sabedoria é um espírito amigo dos
homens…” (Sb 7,6). O valor positivo da Amizade vem da sua conexão com a
sabedoria e, esta por sua vez, está vinculada à verdade e a justiça. Por isso
os Amigos rejeitam a murmuração e evitam a maledicência (cf. Sb 7,11). O espírito
da Sabedoria é imaculado, lúcido, invulnerável, amigo do bem, sutil, livre,
benéfico, amigo dos homens, estável, seguro (cf. Sb 7,22-23). Quem segue a
Sabedoria pertence a Deus, o amigo da vida (cf. Sb 11, 2).
Recomendações importantes
No Livro dos Provérbios encontramos várias recomendações
muito significativas sobre a importância da Amizade. Quem é movido pela
sabedoria detesta o perverso, mas é amigo dos justos (cf. Pr 3,32). “Quem busca
amizade disfarça a ofensa; mas quem a repete afasta o amigo” (Pr 17,9). Esse
versículo nos apresenta a importância da experiência da resiliência entre os
amigos, que significa não levar em conta incômodos e males causados por eles,
mas isso não pode se tornar um hábito, caso contrário os amigos se desgastam e
se vão (cf. Eclo 22,20.22).
Apesar disso, um verdadeiro amigo ama em todas as
circunstâncias (cf. Pr 17,17). Todavia, a mesma sabedoria adverte que a riqueza
multiplica os amigos, pois todo mundo se faz amigo de quem gosta de dar
presente e quer ser bajulado, a pobreza provoca abandono (cf. Pr 19,4-6). O
texto nos adverte para a importância dos discernimento dos verdadeiros dos
falsos amigos; há quem se apresente como nossos amigos somente na abundância;
mas é na pobreza que a amizade se confirma.
Recomenda-se também a importância da firmeza para com os
amigos como senso de educação: “O tapa do amigo é leal, mas o beijo do inimigo
é mentiroso” (Pr 27,6). Isso significa que os amigos verdadeiros não ficam
bajulando-se mutuamente, indiferentes aos males, mas são honestos e sinceros
uns com os outros, e não pode admitir entre si a falsidade. Por causa da
dimensão educativa da Amizade, “o conselho de amigo acalma o ânimo. Não
abandone o seu amigo nem o amigo de seu pai” (Pr 27,8-10). “Mas quem se faz
amigo dos corruptos envergonha seu pai” (Pr 28,7).
Há muitas outras recomendações valiosas e permanentes, como
por exemplo: “Não troque um amigo por dinheiro” (Eclo 7,18); “Não abandone um
velho amigo” (Eclo 9,10); “O amigo não se revela na prosperidade” (Eclo
12,8); “Faça o bem ao amigo e reparta com ele conforme suas posses” (Eclo
14,13). Esses conselhos nos indicam o reconhecimento do valor da amizade,
a importância da lealdade, a necessidade da prudência, da paciência e da
prática da solidariedade entre os amigos.
O perfil do verdadeiro amigo
A prudência no falar contribui para a longevidade da
amizade. Por isso, recomenda-se: “Seja constante no modo de pensar e coerente
na maneira de falar. Esteja pronto para ouvir e lento para dar a resposta…
Falar pode trazer honra ou desonra, e a língua do homem é a sua ruína.
Não tenha fama de caluniador, nem use a língua para preparar armadilhas, porque
para o ladrão existe a vergonha, e para o homem falso uma condenação severa.
Evite erros grandes e pequenos, e de amigo não se transforme em inimigo” (Eclo
5,10-15). “Palavras afáveis aumentam os amigos, e fala amável encontra
acolhida” (Eclo 6,5).
É preciso não ter pressa na amizade, por isso, adverte o
Eclesiástico que é necessário saber escolher o confidente, pois o tempo e as
circunstâncias provarão quem são os nossos verdadeiros amigos. “Tenha muitos
conhecidos, mas um só confidente entre mil. Se você quiser um amigo, coloque-o
à prova, e não vá logo confiando nele. Porque existe amigo de ocasião, que não
será fiel quando você estiver na pior. Existe amigo que se transforma em
inimigo, e envergonhará você, revelando suas coisas particulares. Existe amigo
que é companheiro de mesa, mas que não será fiel quando você estiver na pior.
Quando tudo correr bem, ele estará com você, mas quando as coisas forem mal,
ele fugirá para longe” (Eclo 6,6-11).
“Amigo fiel é proteção poderosa, e quem o encontrar, terá
encontrado um tesouro. Amigo fiel não tem preço, e o seu valor é incalculável.
Amigo fiel é remédio que cura, e os que temem ao Senhor o encontrarão. Quem
teme ao Senhor tem amigos verdadeiros, pois tal e qual ele é, assim será o seu
amigo” (Eclo 7,15-17).
A amizade é sagrada relação de confiança; por isso o
Eclesiástico nos apresenta uma séria reflexão sobre a confidencialidade; a
ruptura da confiança gera a perda da amizade. “Quem revela o segredo destrói a
confiança, e nunca mais encontrará um amigo íntimo. Ame o seu amigo e seja fiel
a ele. Contudo, se você revelou os segredos dele, não o procure mais. Porque,
assim como se perde uma pessoa que morre, da mesma forma você perdeu a amizade
do seu próximo. Como pássaro que escapa da mão, você deixou escapar seu amigo,
e não conseguirá mais apanhá-lo” (Eclo 27,16-19).
A amizade implica fidelidade em todas as circunstâncias:
“Todo amigo declara amizade, mas existe amigo que é amigo só de nome… O
companheiro se alegra com o amigo na felicidade, mas no momento da desgraça
torna-se hostil. O companheiro sofre com o amigo por interesse, mas no momento
da briga toma o escudo. Em seu coração não se esqueça do amigo; e não se
esqueça dele quando você estiver na prosperidade” (Eclo 37,1.3-6).
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
Por que é importante a relação entre ética e estética na
amizade?
Por que a amizade é vista como sinal de Sabedoria?
O que mais lhe chamou a atenção sobre o perfil do verdadeiro
amigo?